Café - agora ele faz bem
Brasil investe em estudos para combater preconceitos e testar eficácia da bebida
Giovana Girardi
Brasil investe em estudos para combater preconceitos e testar eficácia da bebida
Giovana Girardi
Daniel das Neves |
Quem acompanha o noticiário de saúde já deve ter notado
que frequentemente aparece uma matéria que aponta malefícios ou
benefícios do café. De um mês para o outro, a bebida passa de causadora
de uma doença para agente preventivo de outra. Mas em vez de auxiliar,
essa enxurrada de informações só mantém a dúvida: afinal, café faz mal
ou bem para a saúde?
Ao longo da História, a bebida chegou a ser vista quase
como um elixir, capaz de resolver problemas que iam de impotência
sexual a sarampo, mas com o tempo foi ganhando a má fama de ser viciante
e de fazer mal à saúde, principalmente após a descoberta da cafeína,
associada a úlceras e doenças cardíacas.
Estudos recentes, entretanto, têm minimizado o efeito
nocivo da substância e destacado o lado 'mocinho' da bebida. As
pesquisas sugerem que o café, consumido em doses moderadas, pode ser
benéfico contra as mais variadas doenças, como mal de Parkinson,
diabetes, derrame, pedra nos rins e até mesmo câncer ou Aids.
Investigações mais avançadas relacionam o consumo de café a menores
taxas de depressão, alcoolismo e suicídio. Os dados são tão promissores
que no Brasil uma indústria farmacêutica já obteve a patente de um
remédio fitoterápico à base de café para testar sua ação como
antidepressivo.
O Brasil, como maior produtor de café do mundo, está
encabeçando várias pesquisas sobre os benefícios do consumo da bebida.
No começo do ano a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)
lançou o núcleo de estudo 'Café e Saúde' e no mês passado promoveu um
simpósio internacional para debater as últimas descobertas, ao mesmo
tempo que lançou a revista 'O Café e a Saúde Humana'.
Uma das principais metas é comprovar os dados sugeridos
por estudos epidemiológicos de que o consumo regular de café, até no
máximo meio litro por dia (ou 500 mg de cafeína), é benéfico para o
humor e, por isso, pode prevenir depressão. Algumas pesquisas usadas
como base são as feitas pelo norte-americano Arthur Klatsky, que
constatou, em 1993 e 2001, menos casos de cirrose e suicídio entre
consumidores regulares de café. Outro levantamento, feito em 1996 com 86
mil mulheres pela Universidade Harvard, nos EUA, apontou uma relação
inversa entre consumo de café e risco de suicídio.
De acordo com Darcy Lima, professor de farmacologia na
UFRJ e uma das maiores autoridades sobre café e saúde no Brasil, esses
dados não são conclusivos, mas sugerem uma ação da bebida no sistema
nervoso central, modulando o estado de humor da pessoa. Essa
característica seria provocada por uma substância descoberta
recentemente no café e que parece estar ligada aos maiores benefícios
atribuídos à bebida: os ácidos clorogênicos.
Acredita-se que esse composto pode ajudar a prevenir a
depressão, uma vez que ele tem ação direta sobre o sistema de
gratificação (felicidade) do cérebro. Quando desregulado, esse sistema
pode levar a depressão, alcoolismo e consumo de drogas. Quem está
triste, por exemplo, tem menor produção de endorfina (substância como a
morfina e que está ligada ao prazer). Na falta deste opióide, ficam
sobrando no cérebro os seus receptores, que 'pedem' pela substância.
Isso pode levar ao vício por drogas, que compensam o sistema.
Os ácidos clorogênicos bloqueiam a ação desses
receptores em excesso, 'fechando' a vontade de se gratificar, explica
Lima, que estuda a ação da substância no Instituto dos Estudos do Café
na Universidade Vanderbilt, nos EUA. Segundo ele, remédios usados contra
alcoolismo, como o naltrexona, atuam desse modo, o que leva a supor que
o café pode funcionar preventivamente nesse sentido.
A perspectiva é tão boa que o laboratório brasileiro
Biosintética está iniciando os estudos para a criação de um remédio
fitoterápico à base da fruta. Os pesquisadores estão trabalhando com um
extrato composto por 8% de cafeína e 32% de ácidos clorogênicos (o café,
de um modo geral, tem a proporção de 1% para 4%, dependendo da torra) e
estão em fase de teste com animais. 'Se for confirmada a ação no
sistema de gratificação, o medicamento poderá agir não só como
antidepressivo, mas também no tratamento da síndrome de abstinência',
afirma o diretor médico-científico do laboratório, Marcio Falci.
A ação no cérebro
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Depressão e coração
Outro grupo que está interessado nos possíveis efeitos
do café para o controle da depressão são os cardiologistas. O médico
brasileiro Mario Maranhão, ex-presidente da WHF (Federação Internacional
de Cardiologia, na sigla em inglês), em parceria com Darcy Lima, está
planejando um estudo para averiguar se essa atuação da bebida pode ter
impacto sobre doenças cardíacas, principalmente enfarte. Maranhão
defende a investigação com base em um outro projeto feito pela WHF e
pela OMS (Organização Mundial da Saúde). 'Devemos finalizar até meados
de 2004 um estudo sobre a relação entre depressão e enfarte, mas já
sabemos que ela é um fator de risco. Se o café pode prevenir isso então
pode ser que diminua o risco ao coração.'
Maranhão pretende analisar 40 mil pessoas num período
de 10 anos no mundo inteiro. Para isso, espera contar com 4 mil médicos.
O estudo chegou a ser anunciado pela OMS há quatro anos, mas não teve
continuidade. Os especialistas acreditam que isso ocorreu por conta do
preconceito que ainda existe em relação ao café e aos malefícios
atribuídos à cafeína. 'Todo mundo fala nisso, mas café não é só cafeína.
Ela só representa 1% da bebida e em quantidades moderadas faz bem',
defende Lima. A substância estimula o sistema nervoso reduzindo a
sonolência, a apatia e a fadiga. 'Ela favorece a atividade intelectual
da pessoa, deixando-a mais alerta e concentrada. Estudos mostram que há
um aumento de até 15% da agilidade mental', diz.
Consumo diário adequado
Até 10 anos:
de 100 a 200 ml (20 g de pó ou 200 mg de cafeína)*
De 11 a 15 anos:
de 200 a 350 ml (35 g de pó ou 350 mg de cafeína)*
De 16 a 20 anos:
de 400 a 450 ml (45 g de pó ou 450 mg de cafeína)*
De 21 a 60 anos:
de 400 a 500 ml (50 g de pó ou 500 mg de cafeína)*
Acima de 60 anos:
de 200 a 300 ml (30 g de pó ou 300 mg de cafeína)*
* Máximo recomendado por dia, dividido em quatro doses
consumidas até o meio da tarde. Não é aconselhável o consumo à noite.
Para crianças e idosos, é melhor servir com leite
Fonte: Darcy Lima, professor de Farmacologia Clínica e História da Medicina da UFRJ
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Mas essa vantagem pode se transformar em dano quando a
intenção é ficar acordado durante a noite para estudar ou trabalhar. 'O
café é uma bebida diurna. Tomá-la à noite com esse intuito pode
prejudicar a atenção e a concentração no dia seguinte. E a consolidação
da memória ocorre justamente durante o sono.'
Entretanto, por mais benefícios que a cafeína possa
trazer, tudo em excesso faz mal. Em quantidade superior aos 500 mg
recomendados por dia (mais de quatro xícaras grandes) ela pode causar
arritmia, ansiedade, estresse, insônia, dor de cabeça, irritabilidade,
tremores e diarréia. Quem sofre de estresse, problemas psiquiátricos,
gástricos ou cardíacos deve ter cautela, assim como pessoas com
osteoporose e gestantes. A cafeína aumenta a eliminação de cálcio e, em
altas doses, pode levar a abortos. Mas para causar a morte de um homem
adulto, seriam necessárias de cinco a dez gramas de cafeína (cerca de 50
a 100 xícaras), algo que ninguém agüentaria tomar.
'O que queremos demonstrar é que em longo prazo o
consumo de café é um hábito saudável que deve ser seguido. Não é remédio
ou cura para todas as doenças, mas pode prevenir problemas futuros',
afirma Lima.
Cafezinho vicia ou não? |
Uma das maiores polêmicas em torno do cafezinho é sobre o suposto fator viciante da bebida. Quem bebe com freqüência sabe que às vezes é impossível começar o dia sem uma boa dose dele e não são raras as pessoas que, na ausência do produto, relatam sintomas que parecem abstinência, como tremor ou dor de cabeça. Mas ainda não há nenhum estudo conclusivo. 'Para viciar, é preciso atingir o sistema de recompensa e gratificação do cérebro', explica a neurologista Suzana Herculano. Em 2002, um grupo de cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA mostrou que, em ratos, a cafeína age direto no núcleo accumbens (no centro desse sistema), liberando dopamina, substância ligada ao prazer. Drogas como morfina, cocaína e álcool também atuam nesse sistema. Para Darcy Lopes, isso não se aplica para consumidores de café, uma vez que a bebida não tem só cafeína - defeito, aliás, que ele critica no estudo, que não considerou o café como um todo. 'A quantidade presente não é capaz de acionar o processo. A cafeína acaba se concentrando no córtex, estimulando a vigília', afirma. 'Em compensação, os ácidos clorogênicos têm efeito contrário, modulando o sistema de gratificação.' Além disso, nunca se viu ninguém que precise cada vez mais de café, ao contrário do que ocorre com as outras drogas. |
Para navegar
- Embrapa Café
www.embrapa.br/cafe - Coffee Science Source
www.coffeescience.org - Instituto dos Estudos do Café, da Universidade Vanderbilt, EUA
www.mc.vanderbilt.edu/coffee
Para ler
- 'The World of Caffeine', Bennett Alan Weinberg e Bonnie Bealer. Routledge. Londres. 2002
acesso em 21/11/2012 as 10:05 http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT545704-1940-2,00.html |
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